“Avançar para águas mais profundas” foi o refrão que deu o tom da caminhada dos povos da Amazônia com papa Francisco na manhã desta segunda-feira (07). Com início na Basílica de São Pedro, na Cidade do Vaticano, a procissão seguiu até a sala Paulo VI aonde iniciará os trabalhos do Sínodo da Amazônia. Completamente vazia, sem cadeiras, bancos ou altares, a Basílica onde está enterrado o primeiro bispo da Igreja foi ocupada por símbolos trazidos pelos povos da Amazônia. Cartazes lembravam os mártires do Evangelho, mortos em nome do Reino, projeto de justiça e paz.
Francisco caminhou com os povos que estão em Roma para a sessão conciliar. É um Sínodo que peregrina com os povos. O sucessor de Pedro, em sorrisos e cumprimentos, percorreu o trajeto rodeado por representantes dos povos originários, bispos, religiosos e religiosas, leigos e leigas que estão em Roma para acompanhar e debater os temas que dizem respeito sobre a vida na Amazônia.
“Foi bonito viver essa peregrinação. Cheguei perto do papa. Fiquei feliz. O papa hoje olha para os povos indígenas e pela natureza. Ele chega perto da gente, se aproxima. Eu o presenteei com meu cocar – jeguaka – que eu mesmo fiz, com minhas mãos”. Leila Guarani Nhandeva é “parente” de um dos mártires que a procissão fez memória – Marçal Tupã-i de Souza. “Marçal foi uma de nossas lideranças que morreu pela luta do povo, pelo território. Hoje continuamos o que ele e outros nos deixaram”.
Uma dos temas colhidas pelo documento preparatório do Sínodo é a presença da mulher nos ministérios da Igreja. Em outro espaço, Leila Guarani Nhandeva rompeu a barreira para o seu povo e hoje é a primeira mulher a fazer o que por muito tempo foi serviço apenas para os homens. “Não é fácil ser mulher e levar adiante a luta sempre feita por homens. Mas nós mulheres hoje defendemos o nosso povo e não tem outra maneira. É resistir”, comenta a liderança.
A indígena somou com ribeirinhos, pescadores, quilombolas e outras populações tradicionais ao entoavam cantos em suas línguas maternas enquanto carregavam uma barca e uma rede de pesca. Ao papa, os povos entregaram dois remos como simbologia do pedido que entoavam em canto: avançar para águas mais profundas. Os símbolos fizeram referência de uma Igreja pobre para os pobres, de mulheres e homens que ouviram o grupo da Terra, dos povos e das realidades amazônica e Latino Caribenha. Gaudino Pataxó, irmã Dorothy Stang, irmã Cleusa, Chico Mendes, Simão Bororo, Vicente Cañas, Oscar Romero, entre outros, foram testemunhos lembrados pelos rostos carregados por fieis durante a procissão.
“Ao apertar a mão quente de Francisco e ver seu sorriso alegre, me senti forte, me senti plena de coragem para seguir, para enfrentar e resistir junto aos povos indígenas”, comenta Marline Dassoler, missionária do Cimi no secretariado nacional da instituição. “Na procissão, junto com Francisco, lembramos os mártires do Reino. Vicente Cañas é nosso mártir inspirador da caminhada com os povos indígenas. É símbolo de dedicação, entrega e doação. Kiwxi, como era chamado pelos Enawene-Nawe, agora é um encantado que ilumina nossa caminhada rumo à terra sem males e pela garantia dos direitos dos povos indígenas no Brasil e na Pan-Amazônia”.
Missa de Abertura: grito contra os neocolonialismos
Na missa de abertura na manhã de ontem (06), papa Francisco chamou atenção para os incêndios ocorridos na Pan-Amazônica, caracterizando como atitude totalitária de um contexto pautado pela alerta contra “ganância de novos colonialismos”.
“O fogo ateado por interesses que destroem, como o que devastou recentemente a Amazônia, não é o do Evangelho”, pontuou o papa. “O fogo de Deus é calor que atrai e congrega em unidade. Alimenta-se com partilha, não com os lucros”.
“Pelo contrário, o fogo devorador alastra quando se quer fazer triunfar apenas as próprias ideias, formar o próprio grupo, queimar as diferenças para homogeneizar tudo e todos”.
O pontífice sustentou o que adiantava o instrumento de trabalho do Sínodo, resultado de um processo de escuta dos clamores e esperanças daqueles que vivem na Pan-Amazônia, região que abrange oito países. O documento chama atenção para os racismos e violências sofridas pela pluralidade existente na Pan-Amazônia. “Lamentavelmente, ainda hoje existem restos do projeto colonizador que criou manifestações de inferiorização e demonização das culturas indígenas”, escreve o documento.
“Proteger os povos indígenas e seus territórios é uma exigência ética fundamental e um compromisso básico dos direitos humanos. Para a Igreja, esse compromisso é um imperativo moral coerente com o enfoque da “ecologia integral” de Laudato si’ (cf. LS, cap. IV).” (IL 5).
Para a irmã Laura Vicuña Pereira Manso, da Congregação das Irmãs Catequistas Franciscanas, “o Sínodo da Amazônia é um momento de graça, um verdadeiro kairós em que os povos indígenas, a Amazônia e a casa comum são colocados no coração da igreja”. Representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Sínodo, a missionária lembra da responsabilidade em “ser Igreja na Amazônia”.”É preciso não deixar cair a profecia para que sejamos interlocutores e interlocutoras da Boa Nova do Reino de Deus e do Bem Viver”.
O Sínodo da Amazônia está inserido no papado de Francisco e na história da Igreja, somando-se a um conjunto de ações do pontífice que olham para Casa Comum. O nome escolhido pelo cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio já evocava o caminho do Santo de Assis, padroeiro da ecologia, a ser corroborado pelo papa que substituiria papa Bento XVI. Pelos Franciscos e todos os mártires, o Sínodo sustenta-se na missão Evangélica da Igreja e se propõe a buscar “novos caminhos para uma Igreja profética na Amazônia” (IL 147), com o desejo de “aproximação à realidade e à expectativa regional de uma “cultura do encontro” (EG 220)”.
Texto e fotos: Guilherme Cavalli/Cimi
0 Comentários