Uns simples sacos de milho, outras valem mesmo dinheiro, tanto pode ser cinquenta, oitenta ou até cem reais. Tudo depende de como o negócio é feito. Esta transação acontece no seio de famílias muito numerosas, num país africano sem qualquer tipo de planeamento familiar, onde os filhos, independentemente da sua idade, são vistos como uma força de trabalho. “Há pais que os vendem a pensar que iam estudar. O Baba, por exemplo, esteve sempre ao lado dos pais a assistir ao negócio da sua venda. E a criança resgatada mais nova, a Esther, tem apenas três anos”, descreve Tânia Henriques, responsável pela comunicação da Associação Filhos do Coração. A missão desta associação é conseguir resgatar todas as crianças que no Gana são vendidas a pescadores locais, que as escravizam de uma forma desumana, obrigando-as a trabalhar no lago Volta 14 horas por dia, todos os dias da semana, a troca de um prato de mandioca.
Esta foi a realidade que Alexandra Borges, jornalista portuguesa, encontrou há uma década e que denunciou na sua reportagem Infância Traficada. As primeiras três crianças resgatadas por Alexandra têm agora entre 18 e 19 anos. Em 2009, a jornalista voltou ao Gana e conheceu Pam Cope, uma mãe americana que tinha perdido o seu filho e depois de ler um artigo no jornal The New York Times sobre a escravidão infantil, meteu-se num avião e aterrou no Gana onde resgatou Mark, a primeira criança que encontrou no lago Volta. Nessa altura, Pam Cope avançou com a construção de um Centro de Acolhimento, em Kumasi, e criou a Organização Não-Governamental para o Desenvolvimento Touch a Life Kids. Alexandra Borges já tinha fundado a associação Filhos do Coração, e tornaram-se parceiras.
Quando os desenhos negros ganham cor
Crianças como Alex Queity, Baba, Daniel, Humphrey ou Raul são extremamente gratas, valorizam a escola e consideram que a melhor defesa é a Educação. Ninguém quer sair do Centro de Acolhimento onde, atualmente, estão 95 crianças. Para que depois dos 18 anos estes jovens tenham um futuro foi criada a Life Academy, em Acra, uma Academia Para a Vida que pretende dotá-los de capacidades sociais. Uma psicóloga esteve em conjunto com estes adolescentes a trabalhar questões de responsabilidade, como chegar a horas a uma entrevista de emprego, por exemplo.
À academia chegam também os tecidos pintados pelos mais novos no centro de acolhimento, que utilizam o batik, uma técnica de tingimento artesanal. Esta é a matéria-prima para fazer malas, sacos, individuais ou tapetes que depois são comercializados nos Estados Unidos e é isso que paga o ordenado de cada um deles.
“Tem sido feito um trabalho se sensibilização junto do Governo do Gana que leva a que a questão de escravatura esteja melhor. O Governo criou o Ministério da Mulher e da Criança e já é a própria Segurança Social que vai ao lago Volta resgatar as crianças. Já não há resgates diretos como os realizados por Alexandra ou pela Pam”, explica Tânia Henriques. Depois de, em 2009, ter resgatado mais dez crianças e ter denunciado mais casos de escravatura infantil, Alexandra Borges ficou impedida de entrar neste país da África Ocidental.
No Centro de Acolhimento em Kumasi a rotina das 95 crianças passa por acordarem cedo e por volta das seis e meia da manhã já estão a sair de autocarro para a escola. Regressam ao fim da tarde, a partir das 17 horas, e têm tarefas tão banais como tomar banho, fazer os trabalhos de casa, estudar, mas também brincar, seja em festas de batuque ou corridas coloridas. A criação de um Centro de Arte foi a pensar que a melhor forma de resgatar sorrisos a estas crianças é quando os seus desenhos negros ou a preto e branco ganham cor.
FONTE: Revista Visão
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